Muito se fala em recorte linguístico. Não só na língua portuguesa, mas também como no ensino de inglês. Afinal, o que é o recorte linguístico?
(...) os recortes lingüísticos devem ilustrar as variedades. A escola é o primeiro contato do cidadão com o Estado e seria bom que ela não se assemelhasse a um “bicho estranho”, a um lugar onde se cuida de coisas fora da realidade cotidiana. Com o tempo, o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade lingüística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha trazido de casa.
A língua falada no ensino de português (Ed. Contexto, 1998)
Quer dizer que ensinaremos “a falar errado” na escola? Não! Ensinaremos ao aluno que existem muitas variações na língua portuguesa – recortes linguísticos – que se adaptam, se combinam a diversas situações sociais. O que será trabalhada é a conscientização dos alunos para as características dos gêneros presentes em cada atividade social. Um exemplo bem simples: todo mundo sabe que roupa usar na praia e que roupa usar em uma entrevista de emprego, por exemplo. Ninguém vai a uma entrevista de emprego de biquíni ou calção de banho e também ninguém vai de roupa social à praia...
Cada evento social – assim como um passeio na praia ou uma entrevista de emprego – tem características específicas. Assim também se faz com a linguagem. Não há motivo para repreender a linguagem que um adolescente usa com os colegas, por exemplo, pois é uma forma de identificação com o grupo em que ele participa. No entanto, devemos fazê-lo perceber que este tipo de interação varia conforme a situação – e a linguagem vai junto, pois ela é também um ato social. Assim, a linguagem que o aluno usa com os amigos na Internet, não será a mesma ferramenta que ele utilizará para apresentar um trabalho acadêmico, por exemplo.
Conforme as palavras do professor Ataliba, a linguagem da escola não pode ser “um bicho estranho” para o aluno. Discriminar a linguagem que o aluno traz de casa, caso não seja a norma culta, é preconceito e desrespeito. Afinal, na sua casa, você faz e fala o que quer, não é mesmo? Você fala com o seu grupo, utilizando o código desenvolvido para interagir naquela situação. Ou você pensa em concordância verbal e nominal quando está discutindo futebol com os seus amigos em um barzinho? Difícil...
Se pensarmos no ensino do inglês não devemos confundir o recorte linguístico (não dominamos as variedades linguísticas presentes nos países de língua inglesa) com os chamados chunks de linguagem ou pedacinhos de linguagem. Estas palavras ou expressões são estruturas linguísticas usadas pelos falantes nativos do idioma, cujas sequências e usos são considerados naturais e mais apropriados. Os chunks fazem parte de uma abordagem lexical (com enfoque no vocabulário, nas palavras) da língua.
Complicado? Nem tanto assim. Sabe aquele “Can you repeat?” que usamos desde o básico? Então, ele é um exemplo de chunk de linguagem. Mais exemplos seriam aquelas famosas expressões idiomáticas que aprendemos bem no comecinho de qualquer curso de inglês, tais como “piece of cake” (bico, fácil) ou “Time will tell” (o tempo dirá). Não precisamos esperar que o aluno alcance um nível mais avançado, em que possa entender a função gramatical da expressão, para poder utilizá-la.
Quer seja através de chunks de linguagem ou do recorte linguístico, devemos ter em mente que o aprendiz tem que ter acesso a todas as formas de linguagem presentes nas situações de interação social. É dever da escola formar cidadãos capazes de agir nas diferentes situações sociais que compõem o fenômeno da interação humana por meio da linguagem.
Fontes:
BOERS, Frank ; LINDSTRONBERG, Seth. Teaching Chunks of Language- from noticing to remembering. Reino Unido: Helbling Languages, 2008.
CASTILHO, T.D. Ataliba. A língua falada no ensino de português.São Paulo: Editora Contexto, 1998.
*Biodata - Marianne Rampaso
Graduada em Letras, com habilitação em Tradução e Interpretação Inglês - Português pela Unibero. Pós-graduada em Língua Inglesa pela Universidade São Judas Tadeu. Professora habilitada para o ensino de Inglês para Propósitos Específicos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente cursa o Teacher's Link, na PUC-SP, voltado ao desenvolvimento de pesquisa e reflexão aplicadas à sala de aula de língua inglesa. Atua há mais de dez anos como professora especializada no ensino de inglês geral e para propósitos específicos para aprendizes adultos.
Coautora do site www.englishatwork.com.br e professora experiente na divisão In Company.
Responsável pela área de língua inglesa da All About Idiomas.
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