(Este texto é um capítulo integrante da minha monografia de conclusão do curso de Pós-graduação - Lato Sensu em Língua Portuguesa)
Na verdade, ninguém comete erro em língua, exceto nos casos de ortografia.
Eu vi ele
em vez da forma,
Eu o vi
Não devemos pensar na língua como algo que se encaixa entre o “certo” e o “errado”. Temos de pensar a linguagem sob o prisma da adequação / inadequação.
Numa situação de caráter informal, como num bate-papo descontraído entre amigos, é “certo”, isto é, é adequado que se utilize a língua de maneira espontânea, em seu nível coloquial. Já numa situação formal, como num discurso de formatura, por exemplo, seria “errado”, isto é, seria inadequado utilizar a língua em sua forma coloquial.
Bagno (2007) afirma que “erro de português” não existe. Existem, sim, diferentes gramáticas para diferentes variedades do português; cada uma possuindo a sua validade e considerando o contexto em que é empregada a língua.
Bechara (2002) estende o conceito de erro linguístico ao desvio a qualquer norma esperada para determinado evento de emprego da língua. O autor argumenta que “nunca há um erro no português, haverá sempre um erro numa variedade da língua.” Para Bechara, portanto, o erro reside na inobservância à norma esperada para o contexto específico de uso da língua. O erro, pois, não ocorre somente na inobservância à norma padrão, mas na transgressão à norma esperada para a situação de fala ou de escrita específicas.
A noção de erro, segundo esses estudiosos, inscreve-se, portanto, na situação específica do emprego da língua, uma vez que, em certos contextos, a fuga à norma padrão pode ser considerada o correto, e o seguimento à norma o incorreto. Perini (2004, p. 56) traduz essa ideia ao afirmar que “é tão ‘errado’ falar empreste-me os disquetes quanto escrever me empresta os disquetes – a noção de ‘certo’ e ‘errado’ depende, crucialmente, do contexto e do meio a que nos referimos”.
O erro, sob a perspectiva da linguística, existe quando há agramaticalidade e isso não significa o desvio em relação à norma culta ou gramática normativa, mas sim o desvio ao fenômeno linguístico do qual não é possível depreender-se uma lógica de funcionamento. O fenômeno é agramatical quando não se pode reconhecer nele o funcionamento de alguma lei da língua. Trata-se, portanto, de um fenômeno sem gramática, destituído de regras de funcionamento. Como explica Bagno (2007, p 125):
[...] podemos até dizer que existem “erros de português”, só que nenhum falante nativo da língua os comete! Por exemplo, seriam “errados” os enunciados abaixo (o asterisco indica construção agramatical):
(1) *Aquela garoto me xingou
(2) *Eu nos vimos ontem na escola
(3) *Júlia chegou semana que vem
(4) *Não duvido que ele não queira não vir aqui
(5) *Que o livro que a moça que Luís que trabalha comigo me apresentou escreveu é bom não nego.
Esses enunciados, precisamente por serem agramaticais, isto é, por não respeitarem as regras de funcionamento da nossa língua, não aparecem na fala espontânea e natural de falantes nativos do português do Brasil, mesmo que sejam crianças pequenas que ainda não freqüentam escola ou adultos totalmente iletrados.
Dificilmente um falante comete tais tipos de agramaticalidades. Contudo, no plano da língua escrita, há alguns casos de agramaticalidade que são relativamente comuns, tais como frases em que faltam termos essenciais como o predicado, ou períodos compostos por subordinação em que não aparece a oração principal.
É possível, então, considerar que a noção de “erro” é mais pertinente ao campo da gramática normativa, já para a linguística, a noção de “erro” é sempre vista de modo relativo, se algo é denominado de erro ela – a linguística – sempre perguntará: em relação a que?
Em vista do exposto, será útil eliminar do vocabulário escolar palavras como corrigir e correto, quando nos referimos a frases. “Corrija estas frases” é uma expressão que deve dar lugar a esta, por exemplo: “Converta estas frases da língua popular para a língua culta”.
*Biodata - Denise Pinheiro
Possui Licenciatura Plena em Letras - Português/Inglês - pela Universidade Cruzeiro do Sul. Especialista em Língua Portuguesa pela mesma universidade. Atualmente, ministra aulas de Português para Estrangeiros e Brasileiros (atualização gramatical e redação) e Inglês. Realiza trabalhos free-lance como revisora de textos diversos.
Professora experiente na divisão In Company.
Coautora do site voltado ao ensino de inglês para negócios www.englishatwork.com.br.
Endereço de acesso ao currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/1069560837222841
Responsável pela área de Língua Portuguesa da All About Idiomas.
Conceito de erro em língua de Denise Pinheiro é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
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