(Artigo escrito para a disciplina "Texto e Gramática" do curso de Pós-graduação - Lato Sensu - em Língua Portuguesa).
Atualmente, o ensino de LP, como língua materna, tem sido reduzido ao ‘ensino’ de regras gramaticais totalmente desprovidas de contexto e/ou significação.
Os exercícios seguem, na maioria das vezes, a mesma estrutura: identificar sujeito, fazer análise sintática e morfológica de orações, dizer se o verbo é transitivo direto ou indireto, classificar as orações como subordinadas ou coordenadas etc. Tais exercícios, infelizmente, não acrescentam nada ao aluno, isto é, não fazem com que ele escreva ou leia melhor, pois ninguém fala/escreve em gramática pura.
A gramática deve ser ensinada de maneira que faça diferença, ou seja, em vez de o professor se preocupar com que o aluno decore nomes e definições, deve propor exercícios práticos a respeito do assunto que ‘precisa’ ser passado. Por exemplo, para trabalhar o uso de pronomes para evitar repetições, pode dar aos alunos o seguinte tipo de exercício:
Maria foi ao cinema. Maria comprou pipoca e refrigerante. Maria gostou muito do filme. Depois de assistir ao filme Maria passeou pelo shopping e Maria tomou sorvete. Mais tarde, Maria foi para a casa onde Maria mora.
Com o auxílio do professor, os alunos primeiro discutiriam e, posteriormente, reescreveriam o texto fazendo as substituições pelo pronome adequado. Desta forma, a gramática seria trabalhada de maneira construtiva.
Não há uma gramática ideal para ser usada na escola. Todas as gramáticas: normativa, de uso e reflexiva são importantes e têm seu momento durante as aulas. O que não pode e não deve acontecer é o professor basear-se em uma, tachando-a como a gramática ideal e pensar que as outras não ‘servem’. Cada gramática tem sua particularidade e quando agregada a outra pode contribuir e muito para o aprendizado do aluno. Cada gramática se completa entre si.
“A grande missão do professor de língua materna é transformar seu aluno num poliglota dentro da sua própria língua, possibilitando-lhe escolher a língua funcional adequada a cada momento de criação e até entremear várias línguas funcionais para distinguir, por exemplo, a modalidade linguística do narrador ou as modalidades praticadas por seus personagens.” (Evanildo Bechara).
Essa frase deveria ser a base de todo professor de LP, como língua materna. O objetivo do professor é proporcionar ao aluno a capacidade de ele se apropriar da língua em qualquer que seja o contexto de produção. O professor deve levar o aluno a compreender não só a língua padrão, mas também, suas variantes para que ele possa escolher sua língua ideal em determinado momento. Deve, também, mostrar ao aluno que a adequação vocabular vai depender da situação de comunicação.
O objetivo de ensinar LP não é apenas ensinar gramática, mas sim, levar o aluno a refletir sobre a língua, sobre os mecanismos que a cercam; propiciar um ambiente em sala de aula no qual o aluno possa argumentar, refletir e trabalhar a respeito da língua que faz parte de seu cotidiano.
O ensino de gramática e o ensino de produção/compreensão de textos podem ser integrados sem que haja prejuízo no ensino de um e outro. O professor de LP, principalmente como língua materna, deve ser criativo; ao solicitar uma produção escrita para o aluno, a partir dessa pode dar uma aula de gramática sem citar o nome ‘gramática’ e sem citar ‘regras de uso’, basta ter a sutileza de misturar uma coisa à outra. As atividades de compreensão de texto podem ser feitas utilizando o mesmo texto produzido pelos alunos, por exemplo, se ele dará aula para a classe X, poderá pegar os textos da classe Y se não quiser causar ‘constrangimento’ entre os integrantes da turma.
Há muito material disponível para que o professor trabalhe LP de maneira criativa e construtiva. O problema não está na gramática, não está nos manuais didáticos; o problema está no professor que, muitas vezes por falta de orientação e formação adequada, não sabe como trabalhar os diversos assuntos em sala de aula.
O professor precisa repensar seus objetivos e suas propostas para que o ensino de LP seja realmente eficiente e faça sentido para o aluno.
*Biodata- Denise Pinheiro Oliveira
Possui Licenciatura Plena em Letras - Português/ Inglês - pela Universidade Cruzeiro do Sul. Especialista em Língua Portuguesa pela mesma universidade. Atualmente, ministra aulas de Português para Estrangeiros e Brasileiros (atualização gramatical e redação) e Inglês. Realiza trabalhos free-lance como revisora de textos diversos, além de ser responsável pela formatação do conteúdo e atualização semanal do site voltado ao ensino de inglês para negócios www.englishatwork.com.br. Experiente na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa.
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